Eucanaã Ferraz foi o vencedor do primeiro Prémio Poesia Oeiras na vertente consagração, com a obra Retratos com Erro.
Este prémio de €20.000,00 foi instituído como parte do esforço da Câmara Municipal de Oeiras em colocar o concelho na rota das artes e das letras, particularmente da Poesia. Um braço da candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027.
Não posso dizer que Eucanaã Ferraz, o poeta brasileiro nascido em 61 seja um dos meus poetas preferidos... mas conheço mal a obra. Fica um poema do livro vencedor. É o meu favorito mas, não nego, por rever nele os meus dias de máquina na mão. Porque, como diz André Tecedeiro, "Cada um lê no poema / o poema que traz em si."
Olho para este livro fino, de capa preta onde se notam os cantos esgaçados de tanto ser aberto e fechado. Tem as letras de Constelação dispostas como num céu e um nome, Sónia Balacó.
Um livro que oscila entre algumas linhas de promessa de poesia e o seu cumprimento, com resultados de grande beleza.
Já está outro na forja, que espero com a enorme curiosidade de saber se, efetivamente, temos poetisa.
Não sou de escrever sobre livros que já são muito falados - não tenho normalmente nada a acrescentar ao que foi já dito.
Mas sobre este... não podia deixar em branco. Não só pela excelência, como pelo tema.
Apneia, uma escrita como uma faca, que corta a pele desenhando beleza a sangue.
Tânia Ganho, ou as palavras certas no lugar exato.
"Tantas páginas" pensei "seriam mesmo necessárias?" Sim.
Porque só neste crescendo e neste tempo se sente o que é viver, longamente, como se o ar faltasse... e é assim. Apneia.
Estes são os avanços e recuos, o ritmo dos loucos que tomam nas suas mãos as nossas vidas e nos fazem girar, como uma funda. E nos arremessam sem saber onde caímos; sem a única rede com que poderíamos contar: a justiça. O sistema que nos abandona no torvelinho do tempo e dos recursos.
E não se pense "comigo não"... é com isso que eles contam.
Os livros que estão há muito connosco, têm o dobro das estórias para contar.
As folhas abrem-se e, junto à sua história, correm as nossas próprias narrativas que lá se foram aconchegando no tempo.
A memória de mudar de mãos. O bilhete que foi deixado a marcar a página. Os grãos de areia daquele Verão em que nos acompanhou nas manhãs de praia.
Ou, como neste livro, o momento exato em que alguém querido nos abriu um mundo novo.
Volto, por vezes, à casa dos meus pais. Pouco a pouco, ganha-se coragem para entrar mais fundo num passado que ainda me sabe bem estagnado, quieto. Por vezes, até cedo à tristeza e trago um livro.
Esta obra foi o meu primeiro contacto com Sena, escritor e homem de palavra arguta... foi um livro que abalou o que até então era poesia para mim.
O meu pai começou por, pequena, me entregar as "Folhas Caídas" de Almeida Garret, a obra de Sophia e a Praça da Canção, de Manuel Alegre.
Um dia, achou que chegava de versos de rimas e ritmos que se liam como se sucedem as estações do ano e entrega-me a Sena. E abriu-se um mundo de possibilidades na poesia até então desconhecidas e o universo era, afinal, bem maior que aquilo que eu via.
Fiz tabula rasa do até então e escrever começou de novo, como se novo, e era novo.